terça-feira, 16 de novembro de 2010

Uma bailarina muito mais que especial


Tarde ensolarada, sinto-me ansiosa para conhecê-la.
Ela e sua família estão à minha espera.
Quando chego no horário marcado, seu pai me aguarda no portão e logo me reconhece.
Com sorriso aberto, me convida para entrar.
Entro numa casa muito aconchegante, com muitas plantas espalhadas por todos os lados, e um clima bastante calmo.
Não demora muito e ela desce as escadas com um ar sério, me olha... E mesmo com os olhinhos curiosos, de repente Aline me abre um sorriso, e sou surpreendida por ser presenteada com um carinhoso e duradouro abraço.
Logo em seguida, pela mesma escada, desce uma senhora, quase que imitando Aline. A senhora, muito simpática, também se apresenta e me abraça; seus cabelos em tons loiros, olhos verdes, um pouco cansados... Ela é a mãe de Aline e se chama Eleide; é ela quem me convida a entrar em sua sala, e assim nos sentamos confortavelmente para que eu pudesse conhecer melhor a história de sua filha.
Dona Eleide aparenta bastante prática para dar entrevistas, visto que sua filha já foi personagem de diversas matérias para inúmeros meios de comunicação, entre jornais, revistas e televisão.
Aos oito anos de idade, Aline descobriu o balé clássico, apaixonou-se e nunca mais parou de dançar.
Seus pais, João Tomaz da Silva e Eleide Fávaro Tomaz da Silva, me contam que, ao escolher a dança para a pequena Aline, nem imaginavam o que estaria por vir, já que o objetivo deles era apenas que ela fizesse exercícios físicos para poder assim fortalecer a musculatura flácida, que é uma das características dos portadores da Síndrome de Down (trissomia no par de cromossoma 21).
Aline foi alfabetizada pela escola CEDE - São Paulo - Centro da Dinâmica do Ensino, cujo apoio precisou procurar cedo, pois em sua antiga escola, Aline havia sido convidada a se retirar, devido ao preconceito dos pais de seus coleguinhas, relata dona Eleide, demonstrando bastante tristeza e certa revolta ao se recordar do episódio sofrido no passado.
Aline iniciou seus estudos de dança na academia de Miti Warangae, localizada na cidade de São Bernardo do Campo, São Paulo. Foi lá que Aline aprendeu a dançar com as sapatilhas de pontas. Infelizmente, passados alguns anos, Aline teve de interromper seus estudos: a dona da escola e também sua professora, Miti, foi vítima fatal da violência urbana durante um assalto, deixando sua escola e mais dois filhos, no ano de 2002.
Aline foi para uma outra escola de balé, a Kleine Szene Studio de Dança, em Santo André (SP), onde está até hoje. Lá ela tem mais duas amiguinhas bailarinas com a Síndrome de Down, mas Aline é a única com a síndrome que dança com as sapatilhas de ponta – tanto na escola, como no Brasil.
"O desempenho, a postura e a disciplina de Aline na dança me surpreenderam. Eu não imaginava que ela pudesse ir tão longe", conta dona Eleide, demonstrando todo o orgulho que sente de sua filha. Ela relata que se orgulha, e muito, por ver que todo seu esforço com Aline não foi em vão, foi um trabalho realizado, um sonho que deu certo.
Hoje, Aline representa o País em diversas apresentações pelo mundo afora. Sua última apresentação fora do Brasil aconteceu no Congresso Mundial sobre a Síndrome de Down em Madri/Espanha.
É na ponta dos pés que Aline Fávaro emociona a sua plateia em sua apresentação solo.
A sapatilha de ponta não é o limite para essa bailaria mais que especial.
Hoje, ela está aprendendo a dançar o pas de deux, uma coreografia do balé clássico feita em dupla na qual os dançarinos precisam estar em perfeita sincronia um com o outro. Segundo dona Eleide, a garota está indo muito bem.
“Ao dançar, sinto muita paz e emoção”, descreveu Aline.
Ela nunca foi tratada de forma diferente em suas aulas de balé, e sua mãe diz que essa postura em relação à filha é que foi muito significativa, pois Aline nunca demonstrou sentir-se discriminada pelas outras pessoas por ser portadora da Síndrome de Down.
Quando falamos em transformação, em mudança após o contato com a arte, Dona Eleide diz que a dança não transformou apenas Aline, mas sim a vida da família toda, pois, antes da pequena se encontrar na dança, ela era demasiadamente agitada, não fazia nada sozinha e não tinha disciplina
"No balé sempre cobraram muita disciplina dela, e eu nunca fui contra, uma vez que isso foi muito importante para o aprendizado dela como um todo", relata Eleide entre uma limonada e outra em uma tarde bastante agradável na residência da família. Na casa, por todos os lados, há fotos, pôsteres, livros de Aline.
Eleide me conta também que, após a dança entrar na vida de Aline, com o tempo, apesar das dificuldades que os portadores da doença possuem, a garota ficou mais independente e hoje ela consegue fazer muitas coisas sozinha que, antigamente, eram praticamente impossíveis, tais como: arrumar-se, fazer as refeições, preparar um lanche...
“Tudo longe do fogão, é claro” complementou o Sr. João, que o tempo todo permaneceu conosco, demonstrando a união e o cuidado que existem naquela família.
Apesar de sua doença, Aline hoje tem seu trabalho. Ela é uma bailarina profissional, ganha seu cachê em suas apresentações, não em todas, pois ela também se apresenta, em algumas ocasiões, como voluntária.
Os honorários recebidos são administrados por seus pais por razões óbvias.
Durante todo o tempo da entrevista, Aline ficou ao lado da mãe, sentada em uma poltrona, de forma bastante comportada.
A pequena bailaria se mostrou muito à vontade, apenas ouvindo nosso bate papo, concordando em alguns momentos, e em outros tentando contar suas histórias, quase sempre sorrindo e com seus olhinhos verdes atentos.
Não demorou muito para a pequena me pegar pelas mãos e me levar à parte superior da casa onde ela tem seu computador, e vai de forma certeira em direção à sua coleção preferida de DVD´s do seu artista preferido: o maestro e violonista holandês André Riel, conhecido como o embaixador da valsa.
Aparentando muita alegria, a pequena Aline coloca no computador o DVD de André e me apresenta as músicas que ela mais gosta.
Não há como não refletir sobre o refinado gosto da bailarina.
Enquanto assiste à apresentação de seu artista favorito, Aline não presta atenção em mais nada, totalmente voltada para o violonista. Dona Eleide brinca com a paixão de Aline pelo maestro, mas é interrompida pelo telefone, que insiste em tocar.
Logo dona Eleide volta passando a ligação para o pai da bailarina: “É uma ligação da empresa Petrobrás, convidando Aline para se apresentar no mês de outubro”.
A mãe de Aline explica que muitas empresas chamam a filha para se apresentar na abertura de conferências e de diversos tipos de eventos. Contudo, realça que o casal sempre decide junto se ela vai e se quer se apresentar. Os pais costumam visitar o local antes para conhecer, a fim de evitarem qualquer grande desgaste e/ou acidente com a filha, que jamais sai de casa sozinha.
Eleide acompanha Aline em todas as atividades da filha e a leva em todos os lugares que é preciso. Quando Aline vai à escola de balé, a mãe a leva e a aguarda na sala de espera até o fim da aula.
Ela explica que toma sempre muito cuidado com ela, pois tem receia que algo possa acontecer com Aline. Sua justificativa é que a filha não possui a malícia que naturalmente possuímos em todos nós. “Ela não sabe nada da vida, não saberia se defender, e o mundo anda cada vez mais maluco, e as pessoas cada vez mais maldosas”, explica.
Com a experiência da família, o casal resolveu escrever um livro cujo objetivo é ajudar, de alguma forma, outros pais e familiares a entender melhor a pessoa portadora da Síndrome de Down e também fazer ver que tudo é possível quando se é tentado.
O resultado deu em 140 páginas de um livro chamado: A Eficiência na Deficiência.
Trata-se de um livro biográfico romanceado que conta um pouco da convivência diária com Aline, os encantos e também os desencantos de uma trajetória com final feliz.
Seu João escreve no site de Aline www.bailarinaespecial.com.br que, salvo engano, esse foi o primeiro livro escrito por pais que convivem as vinte e quatro horas com uma criança com a Síndrome.
A obra é indicada para pais, amigos de crianças com Down, médicos, professores, estudantes ou para demais interessados em aumentar seus conhecimentos gerais.
Hoje a vida de Aline é a dança.
Com todas as dificuldades, a bailaria, hoje com 28 anos de idade, mas aparentando apenas 15, se mostra demasiadamente especial.
Conseguiu superar as barreiras aparentemente impostas pela Síndrome de Down e encanta o mundo com seu desempenho.
O livro de seus pais, apesar de ser independente, já deu algumas voltas pelo mundo, passando de mãos em mãos até parar na Alemanha.
“A esposa do editor alemão, que é brasileira e escritora, visitou a editora em São Paulo para imprimir seu livro Mozart do Futuro em português. No show-room da gráfica, está exposto vários livros por eles editados, inclusive este que escrevi sobre Aline. Ela se interessou por um exemplar, levou até a Alemanha para o pessoal analisar. Acharam o tema muito importante e afirmaram que o europeu gosta deste tipo de história real” relata João, detalhando que foi procurado via e-mail pelo Sr. Carsten Peters, responsável pela editora o qual manifestou interesse em publicar o livro em alemão para lançamento nos países do mesmo idioma, (Alemanha, Áustria e Suissa). E depois de várias trocas de correspondências concluíram por fazer um contrato, onde João cedeu os seus direitos autorais para ela, em troca de uma remuneração por livro vendido.
O nome do livro não obedeceu a uma tradução literal do título, mas um que fosse adequado ao entendimento europeu e assim surgiu: DIE BALLERINA Sptzentanz mit Down-Syndrom, todavia, o texto é o mesmo do nacional, com adaptações de sinônimos sem nenhuma alteração na redação e brevemente será editado no idioma inglês. E assim, Aline continua a bailar e a encantar em suas apresentações, ensinando-nos que a eficiência supera a deficiência, basta acreditar.


*Aline é uma das personagens do meu primeiro livro, Bjutsu - do lado de dentro, cujo objetivo é o de levar conhecimento de algumas histórias, em que a ARTE teve relevante importância na modificação de padrões de comportamento, atitude e sentimento.